Resumo: Artigo 36363
Planta do campo e planta da mata: Etnotaxonomia entre camponeses da Serra da Mantiqueira (38,40,87)
Ivone de Sá, Museu Nacional - UFRJ, Brazil.
Apresentação: Wednesday, May 29, 2008 3:45PM - 5:45PM sala 212 - UNIRIO VII ESOCITE - Sessão 42 - Chair: Heloisa Bertol
Abstract.
Estudos da etnobiologia sobre a etnoclassificação estiveram em voga nas décadas de 1960 a 1990, suscitando divergências entre grupos de pesquisadores da antropologia, como fica evidente nas diversas publicações produzidas neste período. Este tema ainda não está bem esclarecido e continua a provocar perguntas do tipo: Como outros povos nomeiam plantas e animais do seu ambiente e como esses nomes são agrupados? Por que nomear alguns em detrimento de outros? Quais os critérios de discriminação? Lévi-Strauss aborda a questão da etnoclassificação pelo viés intelectual, desqualificando a vertente utilitarista da etnobiologia. Brent Berlin, que é o autor de referência da etnobiologia, segue a linha intelectualista Levistraussiana, porém diferindo na sua interpretação, explicitando uma concepção de uma natureza já dada, denunciando o projeto universalista-biológico deste autor. Ele estabeleceu proposições de princípios gerais (universais) sob os quais a etnoclassificação estaria submetida, como a hierarquização das classificações, e a nomenclatura binomial. Por outro lado, Eugenne Hunn além de questionar a questão da hierarquia na etnoclassificação, trouxe para a discussão o componente utilitarista como um recurso legítimo de categorização das coisas da natureza. Partindo de um estudo etnobotânico na vila de Santo Antonio do Rio Grande, Bocaina de Minas, MG, pretendo analisar preliminarmente as formas de classificação que a população local utiliza para reconhecer e nomear as espécies vegetais que ocorrem ou são cultivadas na região, e discutir à luz das linhas de pensamento dos autores da área os dados relativos a este campo. A metodologia para a obtenção de dados foi observação direta, trilha livre, entrevistas informais, não estruturadas e parcialmente estruturadas gravadas em fitas cassete, e checklist. Foram solicitadas aos informantes autorizações para as fotografias e gravações das entrevistas, assim como o uso das informações na pesquisa. As espécies citadas foram fotografadas digitalmente, coletadas, prensadas, secas e montadas em exsicatas (depositadas no Herbário do Museu Nacional (R)). O sistema de classificação foi o APG II (2003). Os agrupamentos das 229 etnoespécies estudadas são basicamente pelo habitat e pelo uso. As principais categorias, segundo o habitat, são as plantas do campo e as plantas do mato ou da mata, havendo outros agrupamentos menores como plantas do brejo ou horta. As categorias de uso foram observadas e informadas em várias categorias êmicas, que foram reorganizados em sete categorias de uso, segundo autores clássicos da etnobotância, a saber: ornamental (plantas de flor), medicinal (planta pra remédio), alimentícia (planta pra comer), lenha pra quentar fogo, mágica e Tecnológica-artesanato. No entanto, as distinções entre estas categorias são difíceis de estabelecer, pois existem sobreposições e ambigüidades nas modalidades de uso de uma mesma espécie, como o incenso, planta para flor, que serve para não deixar o saci entrar em casa, segundo alguns informantes. A categoria de uso medicinal é o grupo com maior número de espécies no levantamento etnobotânico com 158 plantas. Neste grupo, a identificação e classificação seguem outros critérios como textura, cheiro, cor, sabor, principalmente da droga vegetal, e não necessariamente da planta inteira, como no caso da carovinha (Jacaranda caroba (Vell.) DC.), por exemplo, onde somente a folha (droga vegetal) é utilizada para reconhecimento da planta. Estes dados de campo me afastam de algumas das regras gerais estabelecidas por Berlin, pois o ambiente e o uso das plantas são as categorias de base para a distinção de grandes grupos, ao invés do Reino, como apontado por este autor. Os dados biológicos, a hierarquia na classificação, e a nomenclatura binomial estão presentes, mas não são exclusivos, como no caso das plantas companheiras, onde, por exemplo, chapéu-de-couro e a caapeba, respectivamente Echinodorus grandiflorus Mitch. ( macho) e Pothomorphe umbellata (L.) Miquel (fêmea), são agrupadas com o termo companheiras, o mesmo utilizado para casais humanos, revelando também um caráter social de classificação. Como análise preliminar, as categorias e nomenclaturas utilizadas em Santo Antonio parecem se aproximar mais daquelas propostas por Hunn, no entanto, a discussão sobre etnotaxonomia ainda está em curso, e espero que este trabalho contribua para o debate deste tema.